segunda-feira, 9 de abril de 2012

O ÚLTIMO SUSPIRO É O DA MÃO

Os doentes terminais ficam com o punho fechado, preocupados com a próxima pontada, controlando o retorno do soluço, antecipando o lugar dos tremores.


Não abrem a mão, fincam as unhas na palma, podem se machucar e rasurar as linhas do destino.


Estão concentrados em seu próprio sofrimento, atentos ao som como uma noite sem estrelas.


As enfermeiras criaram um truque para aliviar a dor: colocam entre os dedos dos pacientes uma luva com água morna dentro.


É um faz-de-conta. É como se um familiar segurasse a mão deles naquele momento de angústia.


Os doentes se tranquilizam, se acalmam, e o braço se solta para a janela.


Na despedida, dependemos somente de uma mão segurando a nossa. Tolos ou gênios. Toscos ou eruditos. Todos somente procuram o corrimão de uma amizade. O corrimão de um parente para descer os degraus da morte, suportar a penumbra e não cair desmemoriado nas lembranças.


O último suspiro é o da mão, não da boca. O poeta Goethe não disse 'Licht! Licht! (Luz! Mais Luz!) em sua derradeira exclamação. Foi um lamento prosaico, comum, destinado a sua neta Ottilie: "Me dá sua mão".


A mão de quem a gente ama é a nossa luva. Mas com sangue quente a encurtar os batimentos cardíacos espaçados pelo fim.


A mesma mão de sempre e tão nova.


A mão materna na hora de atravessar a rua. A mão paterna mexendo de orgulho nossos cabelos. A mão da caligrafia dos cadernos, com a cabeça inclinada na mesa. A mão brincando com o graveto na boca do cachorro. A mão boba no cinema. A mão para levantar o véu branco da esposa. A mão ansiosa a segurar o primeiro passo do filho.


A mão assustada de ternura. Ossuda, magra, com as veias azuis pedindo passagem. Envelhecida, absolutamente carente, que vai acenar de verdade apertando outra mão.


[Fabrício Carpinejar]

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